Não podia deixar de dividir este e-mail que recebi:
O paraíso é um sorvete de casquinha do McDonalds
Bob Babbitt
Nascimento: 5 de maio de 1951
Corrida: Ironman Hawai, 1980.
Tempo: 14h 28 minutos e 33 segundos
Bob Babbitt é o editor da revista Competitor, baseado na Califórnia. Desde seu primeiro Ironman em 1980, Bob permaneceu próximo do evento como um participante (ele completou a prova 6 vezes), locutor da prova e cronista do esporte.
Em 1979, eu li um artigo na Sports Illustrated sobre esse negócio chamado Hawaiian Iron Man Triathlon. Na época, eu dividia um apartamento com Ned Overrend, que eventualmente se tornaria campeão mundial de mountain bike, mas que na época trabalhava na concessionária da San Diego Suzuki de motos. Nós dois achamos que a corrida soava muito legal e decidimos treinar para uma tentativa no evento de 1980.
Eu era professor de educação física em uma escola, em 1978. Eu brincava seis horas por dia com as crianças. Eu jogava caçador e futebol americano e mantinha minha freqüência cardíaca em 170 o dia todo, então eu era ótimo em provas de curta distância. Mas eu não tinha nenhuma idéia se eu poderia terminar esse evento. De fato, eu não achava que a prova era em um único dia. Eu pensava que era uma prova de dois dias. Eu pensei que nadaria 3,8 km, pedalaria 90km, acamparia e pedalaria de volta no dia seguinte e faria a parte da corrida. Então eu tinha um bagageiro na minha bicicleta com meu saco de dormir e barraca. Eu fiquei meio surpreso quando eu cheguei à ilha. "Eu tenho que fazer tudo em um só dia?".
Ned e eu treinamos na piscina de nosso condomínio - não uma piscina de verdade, com raias e tudo mais. Tinha talvez 15 metros de comprimento. Sempre que algum gordo pulava na água era como estar em um tsunami.
Eram 120 piscinas para uma milha, então nadávamos 240. Eu fazia o tempo passar contando de dez em dez, mas sabe-se lá quantas nós acabávamos nadando. A gente ficava tonto. Nós terminávamos de nadar e precisávamos deitar na beira da piscina.
Eu comprei a bicicleta num leilão da polícia. Havia estado em um incêndio e me custou 60 dolares. A traseira toda estava queimada e eu imediatamente comprei uma capa felpuda de banco de pelo de guaxinim, adicionei manoplas acolchoadas e um rádio montado no guidão. Eu não sabia trocar pneus, então eu comprei pneus de borracha maciça. Eu precisei encerar os aros para conseguir colocá-los. E meus treinos de ciclismo nunca eram mais longos que 30 milhas.
Em fevereiro, Ned e eu voamos para Oahu – o último ano que a prova foi lá – e a coisa mais engraçada aconteceu quando chegamos por lá. Gordon Haller, o cara que venceu a prova em 1978, tinha uma barba enorme. Ele era da costa leste. Eu tinha uma barba enorme. Haviam Navy Seals (unidade de elite da marinha americana) no nosso vôo que estavam indo para a prova, e eles me viram e acharam que eu era o cara que havia vencido a prova. Nós descemos do avião e eles trouxeram a minha bicicleta com pneus de borracha maciça, banco felpudo de guaxinim e radio no guidão. Eles pensaram que aquela foi a bicicleta que venceu o Ironman. Eles estavam analisando a bike como se estivessem olhando a bicicleta do Greg Lemond.
Em 1978, quinze pessoas começaram o Ironman, assim como em 1979. Em 1980, estávamos em 108. Ainda não havia uma multidão fazendo esse negócio. Naqueles dias, você tinha uma equipe de apoio e a natação era o Waikiki Rough Water Swim, no mar com grandes ondas, depois a Oahu Bike Race e no final a Maratona de Honolulu. Haviam grandes tempestades na ilha e a rede ABC ligou para o diretor da prova e disse: "Nós estaremos aí para a competição de mergulho de penhasco e isso será no domingo. Se a sua prova for no sábado, conforme previsto, nós vamos cobri-la. Mas se houver atraso por causa do tempo e tiver que mover a prova para domingo, nós não vamos filmá-los." Dessa forma, o diretor da prova decidiu mover a natação para o canal Ala Moana.
Houve uma reunião com todos os atletas e antes que anunciassem a mudança, Ned e eu ficamos na varanda do hotel e ondas de três metros de altura batiam. Ned e eu apenas nos olhamos e dissemos: "Nós vamos morrer. Nós nunca vamos passar dessa arrebentação."
Após o anúncio, todos os verdadeiros atletas de Ironman diziam coisas como: "Que bando de bichas! Eu não acredito!". Quer dizer, Dave Scott e todos aqueles Navy Seals estavam lá. Ned e eu estávamos felizes....nós sobreviveríamos.
Havia um cara na prova chamado John Huckaby, 59 anos de idade, da costa leste. Ele era patrocinado por um fabricante de vitaminas e usava uma jaqueta escrito "Incrível Huck" nas costas. Huck era famoso por ser um ultra-maratonista. Ele correu a maratona de Atenas três vezes seguidas, de cabo a rabo – 125 km. Mas ele não sabia dar nem uma braçada. Nossa natação era de 4 voltas no canal. Eu estava nadando na parte mais rasa porque não tinha muita confiança. Na volta da primeira volta, eu quase bati de cabeça nos joelhos de um cara. Era o John Huckaby andando a natação. Ele andou os 3,8 km – o único cara a fazer a natação e acabar com bolhas nos pés! Mais tarde na prova, o Incrível Huck estava perdido em Waikiki no meio da noite. O staff da prova não tinha a mínima idéia de onde ele estava. Não havia tempo limite naquela época e ele decidiu parar em um restaurante para o café da manhã. Ele foi visto saindo do restaurante, limpando seu rosto com um guardanapo. Então a turma era um pouco diferente da de hoje em dia.
Após a natação, eu me encontrei com minha equipe de apoio. Um de meus alunos, tinha o pai morando em Honolulu e se ofereceu para a função. Ele tinha um pequeno Fiat conversível, e ele e suas duas amigas decidiram que seria divertido. A primeira tarefa era me aprontar para o pedal. Eu tinha meias que iam até os joelhos e tennis do Jack Purcell e minha camiseta de ciclismo de lã. Eu não sabia o que comer durante uma coisa dessas, então eu dei para eles 20 pães doces havaianos. Eu subi na bicicleta e sintonizei uma radio enquanto pedalava por Waikiki. A estação estava transmitindo um show ao vivo dos Rolling Stones direto de Maui. Que estilo! Era inacreditável. Eu pedalei por Waikiki pensando: "Que grande experiência!".
Quarenta quilômetros passados e eu vi minha equipe de apoio na beira da estrada. Era como se estivéssemos indo para uma entrega de suprimentos no Tour de France. "Isso é tão tesão!" (This is so bitching!). Eu pedalei e estendi a mão. Eles me alcançaram um Big Mac, batatas fritas e uma coca. No km 120, eles me deram um sorvete de casquinha.
Eu estava pedalando e vendo a paisagem. Eu nunca havia estado em Oahu antes – era uma aventura. Apenas naquela manhã, eu havia tirado o bagageiro e saco de dormir da bicicleta. Eu tinha me dado conta que precisava fazer tudo em um dia só. Mas eu tinha 28 anos de idade, eu podia fazer qualquer coisa.
Eu sempre me dei razoavelmente bem no calor. Eu acho que sou bom em auto-preservação e eu nunca compito realmente nessas provas. É tudo sobre sobrevivência. Eu gosto de jogar aquele jogo mental "tudo é um ponto positivo". Tudo é como pontinhos de energia, como nos videogames. Então, quando está nadando, não é: "Meu Deus, nadei somente metade do caminho até a bóia". É assim: "Tesão, metade do caminho até a bóia. Ótimo. Passou quase metade.". Tudo é um ponto positivo. Após cinco quilômetros de pedal não é "175 quilômetros por vir". É "existem apenas 36 pedaços de cinco quilômetros em 180...e um desses pedaços já passou".
Mas em um ponto do pedal me dei conta: "Estamos aqui tão longe". E o vento está soprando forte. "Jesus, isso aqui está feio".
O ciclismo terminou na Ala Moana Tower e quando eu entrava na pequena área de transição, ouvi uma música melosa em um aparelho de som. Eu dei uma olhada e vi tapetes de bambu e lá estava a minha equipe de apoio. Eu desci da bicicleta e baixei o pezinho.
"Nós achamos que você deve deitar e fazer uma massagem".
"Soa bem para mim". Então eu deitei e recebi uma massagem de 45 minutos antes de começar a maratona.
Eles tinha uma regra naquela época em que eles te pesavam a cada cinco milhas. Se você perdesse cinco por cento de seu peso, eles te tiravam da prova. Eu estava comendo os meus pães doce hawaianos, bebendo gatorade e o que mais eles me dessem. Eu cheguei no primeiro posto e subi na balança. Quando eu cheguei no segundo, eu escutei os caras falando ao walkie-talkie.
- "Dá para você repetir isso?
- Sim, 69,85 kg.
- 69,85 kg? No posto anterior era 68,49 kgs. Esse cara ganhou 1,36 kgs e cinco milhas. Como você pode ganhar peso? Você não pode ganhar peso durante essa corrida."
Eu me senti grávido com todo aquele pão doce hawaiano e água e gatorade e sorvete. Ah, e o meu Big Mac e fritas.
Porque eu estava caminhando tanto, eu não me sentia tão mal. Eu não me lembro ter sentido muita dor durante a corrida. Mas o Ned viveu uma história diferente. A futura esposa do Ned, Pam, era sua equipe de apoio. Ela não é a pessoa mais agressiva do mundo e isso era Waikiki com um trânsito péssimo. Após 129 quilômetros no pedal, o Ned não a havia visto. Ele estava parando ao lado da estrada e bebendo água dos regadores nos jardins. Ele não comeu nada o dia todo. Eu ainda lembro quando voltei para o hotel aquela noite e entre no quarto, a luz da lua estava entrando através da janela e as costas de Ned estavam de frente para mim e eram a coisa mais vermelha que já havia visto na minha vida. Ele apenas se virou e disse: "eu não a vi o dia todo".
Eu, no entanto, fui mimado por minha equipe, ganhando peso conforme competia. No quilometro 32,9 da corrida, eles estavam me seguindo em seu Fiat com os faróis acesos, o que era muito legal, pois estava completamente escuro. Não havia ninguém lá. Eu estava correndo com esses faróis atrás de mim e quase me senti como se estivesse liderando algo, como se eu fosse o astro do show.
Eu cheguei na cidade e vi uma pequena linha no chão com um arame segurando uma lâmpada por cima. Eu diminui o ritmo e parei sobre a linha.
-"Ei, você". – eu ouvi essa voz vinda do escuro e olhei.
- "Sim?" – respondi.
- "Você está na prova?"
- "Sim."
- "Você completou!"
Onde estava a banda? Onde estava a multidão? Onde estava o arco da chegada? Eu caminhei para dentro do parque e havia um idiota fazendo flexões com um braço só e outro fazendo abdominais. Havia um monte de esquisitos.
"Isso foi a coisa mais idiota que eu já fiz", eu pensei.
A pior parte foram os troféus. Um dos motivos pelos quais fizemos a prova foi porque se chamava Ironman, certo!? O gerente da academia Nautilus Fitness, que organizou a prova, pensou que "Ironman" seria ofensivo às mulheres, então eles mudaram o nome naquele ano para "Nautilus International Triathlon". Então aqui estávamos nós esperando ganhar um troféu tesão com um carinha de metal com um buraco na cabeça e eles nos deram um com um homenzinho feito com um empilhado de conchinhas. Quão anti-clímax é algo assim? Eu queria ser um Ironma. Eu não queria ser um "garoto de conchinhas".
Esse foi o meu primeiro Ironman. Eu já terminei seis e o evento evoluiu muito em vinte anos.
A principal diferença entre aquela época e hoje, é que naquela época era realmente uma aventura. Eu não tinha idéia, o Ned não tinha idéia, nós não tínhamos idéia do que éramos capazes. Nós realmente não sabíamos. Eu coloco isso junto com os cadeirantes. Quando eles começaram no Hawaii ninguém sabia se um cadeirante poderia fazer algo assim. Eles poderiam fazer tudo? Eles conseguiriam fazê-lo no tempo limite? Finalmente, em 1997, um cara chamado John MacLean terminou dentro do tempo limite. Em 1999, Carlos Moleda fez 2 horas e 19 minutos na maratona, terminando em 10 horas e 55 minutos. Seu tempo teria vencido qualquer modalidade da prova nos dois primeiros anos. Isso é o que eu gosto tanto nos atletas cadeirantes. Eles trouxeram o Ironman de volta às suas raízes, "Eu consigo completar?".
Uma das coisas mais engraçadas que eu escuto hoje em dia é: "Eu tive uma prova ruim. Eu tive um dia ruim." Talvez tenham terminado vinte minutos fora de seu tempo ou trinta minutos de seu tempo alvo ou uma hora. Nenhum de nós tinha tempos alvo. John Collins começou esse evento e seu filho, Michael, participou da prova em 1979. Michael Collins esteve lá fora, fazendo a prova por mais de vinte e quatro horas. Eu entrevistei Michael e eu disse: "Então, conte-me sobre o seu dia." Ele disse: "Bem, vou te dizer uma coisa. Você sabe o que é um dia ruim? Um dia ruim é quando é quando é quando você está andando na maratona e você está caminhando pela cidade, e você vê o entregador de jornais, entregando o jornal com os resultados de um evento no qual você ainda está participando. Isso é quando você sabe que está tendo um dia ruim".
Isso é o que você aprende desse evento: o que é realmente bom e o que é realmente ruim. Eu acho que as coisas não mudam. A tecnologia é diferente, mas o negócio é que os atletas ainda precisam nadar até aquela bóia, depois eles precisam ir até Hawi em suas bicicletas, e eles precisam correr de volta para a cidade. As coisas que são verdade para eles, são as que eram verdade para nós naquela época. É você contra você mesmo. Todos compartilham isso – seja você um profissional, um competidor em sua faixa etária ou alguém só pensando em completar. Qualquer um que fez essa prova sente um vínculo imediato com alguém que a tenha feito...é um vínculo para toda a vida. É como aquele sorvete de casquinha. Toda vez que tomo um sorvete de casquinha agora, eu comparo com aquele que tomei no km 114 daquela corrida, e nunca haverá um sorvete melhor, jamais.
Então para esse atletas de agora, haverá um ponto em sua corrida que alguém te entregará uma esponja molhada que será a melhor esponja que já recebeu. Ou vão te entregar um sanduíche de pasta de amendoim e geléia de goiaba que será o melhor sanduíche de pasta de amendoim e geléia de goiaba que já comeu, ou um copo de Gatorade gelado à perfeição ou um cubo de gelo que vai embaixo do seu boné e é a coisa mais gostosa do mundo. Para os atletas do Ironman, aquele cubo de gelo – no calor de 40 graus, no quilômetro trinta da maratona – é o melhor presente que já receberam. Enquanto alguns de vocês ficarão sentados pela casa pensando: "Meu Deus, esse sofá está desconfortável e o meu controle remoto não está funcionando muito bem."
Bob ensinou até 1984 quando lançou-se no ramo de revistas, trabalhando para a Running and Triathlon News até 1987, quando ele lançou a revista Competitor.
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